Lá
estava eu, era outono, não lembro ao certo o dia e muito menos o ano, mas
tenho absoluta certeza de que era outono... Lembro daquela velha praça, com
tantas árvores que perdia até as contas, com pássaros cantantes e borboletas de
diversas cores e espécies... Ah... E as folhas... Com certeza nunca me
esquecerei das folhas caídas no chão. Era outono.
Sempre
que ia a tal praça nunca havia notado o jeito tão singular que ela possuía. Em
seu aspecto pitoresco produzia o sentimento de cada pessoa que lá estava, pois
se havia alguém triste era notório o ar “sentimental” que a praça produzia.
E
foi dentro de tais observações, que numa tarde nublada de outono eu vi que
existia um semblante triste na “minha” praça, mas poucos poderiam perceber...
Procurei incessantemente o motivo pelo qual ela estava assim; vi, portanto, uma
criança. Era um pequenino projeto de gente, mas que sem dúvidas trazia dentro
de si uma dor de um adulto. Parecia-me que tinha, mais ou menos, 6 ou 7 anos,
mas não mais que isso. Cabelos negros como a noite, pele branca como luar...
Ah... E seus olhos... Nunca esquecerei o olhar doce e meigo desta criança...
Expressava tudo que seu coração sentia, sem tirar nem pôr.
Resolvi
me aproximar, tentar chegar perto dela da maneira mais sutil possível, para que
ela pudesse sentir confiança na minha presença e não medo, como era o óbvio.
Para a minha surpresa ao passo que me aproximei, a menina, sem dizer nenhuma
palavra sem sequer me cumprimentar, veio ao meu encontro e meu um abraço.
Aquele abraço... Tão forte e tão intenso... Acho que nunca ninguém me abraçou
de tal maneira... Senti um conforto e ao mesmo tempo pude perceber a dor que
aquela doce criança possuía. É difícil explicar em palavras, é difícil
transferir e demonstrar tudo aquilo que aquele simples abraço me trouxe, mas
posso dizer que ficamos mais de 5 minutos abraçadas.
Após
distanciarmos nossos corpos encorajei-me e decidi conversar com ela:
-
Olá pequena, qual seu nome?
-
Beatriz.
-
Que lindo nome! O que você faz aqui sozinha? Cadê seus pais?
Que
infeliz pergunta a minha... Tentei ao máximo não ser inconveniente, mas não
percebi que talvez certas perguntas podem machucar muito mais que qualquer
agressão física. Mas a menina, tão inocente, tão pequenina, me respondeu:
-
FOI AQUI! FOI AQUI!
Fiquei
um tanto que surpresa... Não compreendia o porquê dela falar daquela maneira e
repetir a frase “foi aqui”... Logo pensei: “É melhor eu deixar essa história
quieta e dar adeus a essa pequena”. Mas a força daquele abraço fez como que eu
permanecesse ao seu lado, como se a cena do abraço repetisse incessantemente em
minha cabeça.
-
O que aconteceu aqui? Por que toda essa angústia?
E
ainda assim ela repetia:
-
FOI AQUI! FOI AQUI!
Tomei-la
em meus braços e decidi levá-la para comer um sorvete. Afinal, sempre soube que
as crianças adoram sorvetes, entretanto, para minha surpresa ela não aceitou e
com uma voz tremula, quase fechando os olhos, repetiu:
-
Foi aqui.
Nunca
havia notado o quão complexo é lidar com uma criança... Como eu poderia
descobrir o que levava aquela doce criança a repetir tanto tal frase? O que se
passava em sua vida que lhe fazia sofrer tanto? Não sei. Mas havia uma
necessidade enorme de descobrir.
Esperei
um tempo, deixei ela se acalmar... No entanto, sem eu perguntar nada, num gesto
inesperado, ela começou a falar:
-
Eu sei que foi aqui... Eu lembro da minha mãe... Foi aqui... Eu era bem
pequena, eu sentia fome... Foi aqui... A mamãe disse que viria me buscar... Eu
fiquei brincando com as borboletas... Foi aqui. Minha mãe demorou muito para
voltar... Até que eu fui correndo atrás dela, eu gritei o nome da mamãe... Mas
eu acho que ela não me ouviu né tia? Aí um vovó que dormia na rua junto com um
cachorrinho deixou eu dormir e comer com eles, só que um dia, o vovó dormiu e
não quis mais acordar e o cachorro chorava muito do lado dele e mesmo assim,
meu vovó não acordava.
Ouvindo
aquelas palavras saídas de uma boca tão pequena e com um tom de voz de uma
suavidade fecunda, enchi meus olhos de lágrimas e logo percebi o fim daquela
história, eu sabia que ela havia sido abandonada, eu sabia que o morador de rua
que a acolhia havia morrido, mas, como eu iria contar aquilo pra ela? Como
passar tantas informações negativas para uma pequena criança? Não sei.
Perguntei
como havia encontrado a praça novamente e sem pestanejar ela logo me respondeu:
-
A borboleta tia...
Após
essa resposta eu não pude me conter e chorei... Chorei como uma criança... Com
soluços atrás de soluços... Lembrei que o mesmo havia acontecido comigo há exatamente
26 anos atrás. Um filme passou em minha cabeça... Cada passo sofrido e dolorido
de minha vida... Ninguém havia me ajudado, ninguém estava ali para me estender
a mão.
Abracei
a pequenina Beatriz novamente e perguntei se ela queria ir ver as bonecas que
eu tinha na minha casa e ela, com um brilho radiante nos olhos, disse que sim.
Passaram-se
alguns dias, Bea estava dormindo na minha casa... Eu havia comprado roupas,
brinquedos e até mesmo montado um quarto. Mas eu sabia que isso não era o
correto, resolvi então, procurar a justiça, fiz tudo o que era necessário.
Sabem
o que aconteceu? Beatriz é minha filha. E vocês sabem por quê? Por causa
daquele abraço.