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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Aquele abraço




Lá estava eu, era outono, não lembro ao certo o dia e muito menos o ano, mas tenho absoluta certeza de que era outono... Lembro daquela velha praça, com tantas árvores que perdia até as contas, com pássaros cantantes e borboletas de diversas cores e espécies... Ah... E as folhas... Com certeza nunca me esquecerei das folhas caídas no chão. Era outono.

Sempre que ia a tal praça nunca havia notado o jeito tão singular que ela possuía. Em seu aspecto pitoresco produzia o sentimento de cada pessoa que lá estava, pois se havia alguém triste era notório o ar “sentimental” que a praça produzia.

E foi dentro de tais observações, que numa tarde nublada de outono eu vi que existia um semblante triste na “minha” praça, mas poucos poderiam perceber... Procurei incessantemente o motivo pelo qual ela estava assim; vi, portanto, uma criança. Era um pequenino projeto de gente, mas que sem dúvidas trazia dentro de si uma dor de um adulto. Parecia-me que tinha, mais ou menos, 6 ou 7 anos, mas não mais que isso. Cabelos negros como a noite, pele branca como luar... Ah... E seus olhos... Nunca esquecerei o olhar doce e meigo desta criança... Expressava tudo que seu coração sentia, sem tirar nem pôr.

Resolvi me aproximar, tentar chegar perto dela da maneira mais sutil possível, para que ela pudesse sentir confiança na minha presença e não medo, como era o óbvio. Para a minha surpresa ao passo que me aproximei, a menina, sem dizer nenhuma palavra sem sequer me cumprimentar, veio ao meu encontro e meu um abraço. Aquele abraço... Tão forte e tão intenso... Acho que nunca ninguém me abraçou de tal maneira... Senti um conforto e ao mesmo tempo pude perceber a dor que aquela doce criança possuía. É difícil explicar em palavras, é difícil transferir e demonstrar tudo aquilo que aquele simples abraço me trouxe, mas posso dizer que ficamos mais de 5 minutos abraçadas.

Após distanciarmos nossos corpos encorajei-me e decidi conversar com ela:

- Olá pequena, qual seu nome?

- Beatriz.

- Que lindo nome! O que você faz aqui sozinha? Cadê seus pais?

Que infeliz pergunta a minha... Tentei ao máximo não ser inconveniente, mas não percebi que talvez certas perguntas podem machucar muito mais que qualquer agressão física. Mas a menina, tão inocente, tão pequenina, me respondeu:

- FOI AQUI! FOI AQUI!

Fiquei um tanto que surpresa... Não compreendia o porquê dela falar daquela maneira e repetir a frase “foi aqui”... Logo pensei: “É melhor eu deixar essa história quieta e dar adeus a essa pequena”. Mas a força daquele abraço fez como que eu permanecesse ao seu lado, como se a cena do abraço repetisse incessantemente em minha cabeça.

- O que aconteceu aqui? Por que toda essa angústia?

E ainda assim ela repetia:

- FOI AQUI! FOI AQUI!

Tomei-la em meus braços e decidi levá-la para comer um sorvete. Afinal, sempre soube que as crianças adoram sorvetes, entretanto, para minha surpresa ela não aceitou e com uma voz tremula, quase fechando os olhos, repetiu:

- Foi aqui.

Nunca havia notado o quão complexo é lidar com uma criança... Como eu poderia descobrir o que levava aquela doce criança a repetir tanto tal frase? O que se passava em sua vida que lhe fazia sofrer tanto? Não sei. Mas havia uma necessidade enorme de descobrir.

Esperei um tempo, deixei ela se acalmar... No entanto, sem eu perguntar nada, num gesto inesperado, ela começou a falar:

- Eu sei que foi aqui... Eu lembro da minha mãe... Foi aqui... Eu era bem pequena, eu sentia fome... Foi aqui... A mamãe disse que viria me buscar... Eu fiquei brincando com as borboletas... Foi aqui. Minha mãe demorou muito para voltar... Até que eu fui correndo atrás dela, eu gritei o nome da mamãe... Mas eu acho que ela não me ouviu né tia? Aí um vovó que dormia na rua junto com um cachorrinho deixou eu dormir e comer com eles, só que um dia, o vovó dormiu e não quis mais acordar e o cachorro chorava muito do lado dele e mesmo assim, meu vovó não acordava.

Ouvindo aquelas palavras saídas de uma boca tão pequena e com um tom de voz de uma suavidade fecunda, enchi meus olhos de lágrimas e logo percebi o fim daquela história, eu sabia que ela havia sido abandonada, eu sabia que o morador de rua que a acolhia havia morrido, mas, como eu iria contar aquilo pra ela? Como passar tantas informações negativas para uma pequena criança? Não sei.

Perguntei como havia encontrado a praça novamente e sem pestanejar ela logo me respondeu:

- A borboleta tia...

Após essa resposta eu não pude me conter e chorei... Chorei como uma criança... Com soluços atrás de soluços... Lembrei que o mesmo havia acontecido comigo há exatamente 26 anos atrás. Um filme passou em minha cabeça... Cada passo sofrido e dolorido de minha vida... Ninguém havia me ajudado, ninguém estava ali para me estender a mão.

Abracei a pequenina Beatriz novamente e perguntei se ela queria ir ver as bonecas que eu tinha na minha casa e ela, com um brilho radiante nos olhos, disse que sim.

Passaram-se alguns dias, Bea estava dormindo na minha casa... Eu havia comprado roupas, brinquedos e até mesmo montado um quarto. Mas eu sabia que isso não era o correto, resolvi então, procurar a justiça, fiz tudo o que era necessário.

Sabem o que aconteceu? Beatriz é minha filha. E vocês sabem por quê? Por causa daquele abraço.